terça-feira, 10 de julho de 2007

Muito barulho por lixo

5 da manhã. É domingo. O menino acorda feliz. Talvez ele possa conseguir mais do que as habituais sobras de um PF garimpado no lixo do boteco da esquina. É dia de feira. Os caminhões chegam devagar. As barracas são armadas com prontidão. Tudo é feito com um silêncio aterrador, coisa incomum para a classe dos vendedores de leguminosas, verduras e afim. Uma lei recente não permite que eles façam o costumeiro barulho. Com o silêncio todo o menino tem vontade voltar a dormir. Não pode. Se quiser comer tem de começar a sua caça logo.

Os primeiros clientes vão chegando. É engraçado ver como os feirantes se expressam. São as mesmas tiradas, as mesmas frases feitas, tudo em tom ameno e sem graça. De repente um fulano se esquece e solta aquele grito. Todos o olham com esperança e espanto. O indivíduo ruboriza-se e volta aos seus afazeres com uma introspecção digna de uma velha virgem. Todos se assemelham a ele logo depois.

Opa! A primeira laranja cai no chão e sai pingando por debaixo da barraca. O menino entra em cena. Compete com outros pela fruta. Ganha em disposição. Perde em força. Perde a fruta. Os pasteis fervilham e são consumidos com voracidade. Os papéis que o envolvem são jogados ao vento com descaso. Amontoam-se numa lixeira que já não suporta toda aquela quantidade. Alguém pede uma coca-cola. Antigamente o caldo-de-cana não se equiparava a nada em uma feira. Era unânime. Os tempos são outros. A latinha da coca-cola junta-se ao monte de papéis que antes já queriam se separar a cada lufada. Com a companheira inconveniente então a tensão aumentava, o espaço diminuía. Coisa que não dura muito. Temos o orgulho de ser o país líder em reciclagem, e a latinha não permanece ali nem por dois minutos. O menino a leva embora. Aqui a reciclagem não é movida pela consciência publica, e, sim, pelo instinto de sobrevivência mesmo.

A laranja, o papel, a latinha Tudo a mesma coisa. Lixo. Lixo que os garis levam embora ao final da feira. Assim como tudo que por descuido ou descaso caiu das barracas ou que não foi considerado ter as mínimas condições de ser consumido por um povo cheio de pudores quando o assunto é o que vai parar em seu prato, mas não ta nem aí mesmo quando se trata da nossa rua.

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