sexta-feira, 5 de junho de 2009

Verso da vida inteira

"De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar”. Encontro Marcado, Fernando Sabino.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

A-só-ssoviam na minha janela

Assoviam na minha janela
É o vento chamando pra ver dela
Um deserto de sangue
Lá ao longe

No canteiro, uma rosa bem vermelha
Sorri pra mim, sem graça
Como quem tenta, mas não disfarça
Toda a solidão que espelha

Assoviam na minha janela
É o vento chamando para ver dela
As dunas móveis do deserto
Chegando a galope, num trote sem teto

Sozinha: ela, majestosa, reina,
Teima, a teimosa da pobre rosa.
O verde súdito cede sem luta
Diante de mil amarelas cobras.
E cabras marcados pra morrer na labuta
Pisam nas flores do canteiro de obras

Assoviam na minha janela
É o vento chamando pra ver dela
O deserto cinza, roxo coagulado, lilás
Tantas cores no olho, já nem sei mais

- Fecha a porta...que o deserto...
Não! Apaga a luz...já está perto...
Silêncio...já não adianta, eu todo areia.
- Calma, ainda resta o tal assovio.
- É mesmo! Então, nem mais um pio.
- Mas ouça: este assovio é barulho de britadeira

Assoviam na minha janela
É o vento chamando pra ver dela
O deserto aqui dentro
No meio da sala, com os pés na mesa de centro.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Violada por vocês, que nem sabem quem sou

Vocês me prostituem
Me vendem, me usam, cospem na minha cara,
Abusam de mim buscando seu prazer,
Vermes sujos e escrotos,
Se soubessem o quanto me machucam com seus corpos imundos!
Eu sou um objeto em suas mãos,
Vocês me tomam sem que eu tenha direito de escolha,
Me jogam na rua para ser devorada por gentios piores do que vocês,
E isso o fazem por que?
Em troca de dinheiro, vocês me usam, querem o dinheiro e ao invés de conseguires por seus próprios meios, quem vocês vendem sou eu!
Vocês nunca me conheceram seus malditos tolos cegos, se um dia eu pudesse gritar em seus tímpanos eu diria que nunca me viram de verdade, nunca souberam quem eu sou, vocês nem se quer ao menos conhecem seus próprios objetivos, suas metas...
Acredito que são tão vazios que nunca pararam para pensar, não tem nem se quer uma boa teoria explicativa desenvolvida em relação ao que pregam, vocês são uma concentração de lixo podre mal cheiroso que só se espalha pelas calçadas por que ninguém varre mais a droga da rua, vocês conseguiram desanimar quem tinha coragem de me tratar como eu mereço.

Vermes baixos, se não tivessem esse público sem alma e sem vida, esse público sem caráter, esse bando de cegos doentes que assim como vocês não pensam, só agem, assim como vocês, vão de pouco em pouco impulsionados pelo comum, pelo tradicional, pelo inferno que os cercam todos os dias e dessa forma, tão acostumados com todo esse caos, já nem percebem o tamanho do pecado que estão cometendo.
Vocês me assustam, mas mais me ferem do que me causam medo,
Vocês cafetões, todos vocês cafetões, me jogam numa esquina pra conseguir dinheiro, quem sangra sou eu, quem tem que aturar os insultos e violações sou eu, mas vocês cafetões de merda, nunca sentiram essa dor, só colhem o fruto de seu prazer ao me usarem.

Vocês nuca me olharem nos olhos, não sabem o que é ter um sentimento por mim, não sabem o que eu causo quando toco sua alma, nunca souberam quem eu sou, nunca tiveram uma aproximação real comigo, nunca se preocuparam, nunca de fato se quer quiseram me conhecer.
Se não existissem tantas putas e tantos filhos delas nas ruas, jamais conseguiriam me usar, por que não teriam pra quem me vender!


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Retalho de Ladrilho

Tinha mais sangue na calçada que de costume
olhares mais vazios, menos surpresos
iam dar em não sei onde que pra lá rume
semblantes cansados, encolhidos e indefesos
firme mesmo só o chão sob as botas
o enxovalho nos ombros, o vitupério infame
zumbido na cabeça aos enxames, suor nas frontes às gotas
vilipendiados, esquecidos, já nao há quem os ame
sobra dor, há lagrimas, falta quem as derrame
sobra quem falta coragem, lágrimas fundem com sangue
rola a face, corre o peito, vão morrer no chão vil, infame
vitupério grita na vileza do vilarejo
cospem, batem, e você faz o mesmo, aproveita o ensejo
pisam de olhos fechados pelas mesmas calçadas, diferem os calçados
a vista turva, anuvia a mente e o que não se vê, não se sente
semente pecaminosa, ode ao caos, sepulcros calados
frutifica na dor, floresce do jazigo urbano frente toda a gente
e ainda não se sabe o motivo do sangue na calçada, talvez por não ter importância
morte da rua, que se esvai de madura sem passar pela infância

rOg Oldim / AgaGomez

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O que é do diabo...

Hoje tirei o dia pra cuidar de mim
Nem me venha com “pra onde vamos?”
Você não está nos planos
Sinto muito ter que agir assim

Na verdade, não sinto, mas ao desdentado faminto,
Melhor sonhar com picanha do outro lado do muro
A ter de se virar aos murros com pedaço de pão duro
Não se preocupe, não faço somente a você distinto.

Da porta pra dentro, só eu e o que poderia ser eu
Sem ter que ser o mundo todo, entendeu?

Dito isso, meu bem, livre-se dessa cara
Amarrada, Enrugada, Emburrada que só ela
Larga mão de querela pela aquarela
Trate de dar um jeito nela,
Pois, a ela, palhaço nenhum sara

Se um dia voltar a me preocupar com os outros
Você será o primeiro, não o único
Palavras ao ar, sou verso solto

E não chie! Sabes bem que nunca o fora
E não seria agora, depois de ter tido
Eu comigo mesma, um aparte
Que tal sorte, mudaria destarte

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Fotografia amarela de fundo de gaveta

Pensei que nunca perderia seu sorriso em meio a outras bocas forradas de dentes que não me dizem nada. Você não devia estar lá mesmo. Faz tanto tempo. Meus olhos já não ajudam. O que não enxergo com a vista, reconstruo com o pouco avivado pela memória. Ah! Esta maldita que me foge quando eu mais dela preciso. Se não é para fazer reviver o que jaz nas curvas da existência, para que serve então as lembranças da minh'alma. Espere! Agora sim. Vejo as bochechas arquearem-se. Descortinam-se lentamente. Aumenta a expectativa da platéia. Eu sou a platéia.
O espetáculo já vai começar. Desde que entrou em cartaz, compro todos os ingressos. Não divido. Rasgo todos. Reservo um único bilhete no bolso direito. No esquerdo, guardo aquele lencinho azul desbotado. Presente de aniversário de vinte e poucos anos, lembra? Eu não gostei muito. Mas foi nele que minhas lágrimas pousaram quando apareceram com aquela coroa cravejada de flores. "Deixem de bobeira! Ela só está dormindo. Dormindo. Eu também quero dorm...". O pedaço de pano velho e amarrotado - cor de céu quando chove - mais uma vez, faz companhia ao cinza dos meus olhos. Nuvens à vista naquele céu de lembranças. Elas não me deixaram. Nele, desaguam as águas que procuram ocupar-me, quando volvo os olhos atentamente para aquele espetáculo repetido, incansavelmente assistido.
Toc toc. "Todo mundo tá esperando você. Traz logo esse troço". Pedra no lago. O encanto de Narciso é quebrado. Volto a mim. Resoluto. A figura mitológica teria procurado um espelho. Eu só tinha aquela fotografia para tentar me encontrar. Encontrá-la. A imagem amarelada de jovens sorridentes. Por que sorriem? Ah, se soubessem o que aguardam vocês. Poupariam estes sorrisos. Este morreu de amores por aquela ao lado da professora. Aquela virou freira e..não gosto nem de lembrar. Aquele ali se casou com aquela moça linda. Cobiçadíssima.

"divagando devagarinho, sem pressa, a coisa acaba.."

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Chuva

Ninguém vai dormir aqui.

Não quero esconder minhas infelicidades

atrás de um rosto que se desfaz e sorri,

embaixo de um já amargurado travesseiro

ou esquecer tudo nas visões ilusórias dos sonhos que virão,

mais parecem saudades.

Quero ouvir a chuva lá fora bater com força na telha.

Poderia ser minha carne.

Quero ouvir a chuva molhar a terra.

Poderia ser meu sangue derramado na guerra.

Quero ouvir a chuva cair.

Poderia ser meu corpo, minha causa.

Que causa?

Não tenho causa, sou chuva sem propósito, que cai, e só cai.

“Feche os olhos, meu filho, e pense em algo bom”.

“Mãe, já pensei. O que eu faço quando abrir os olhos e vir que nada do que eu pensei existe?”.

“Existem coisas que você não pode ver. Só sentir. A chuva está lá fora.”